Matéria especial sobre o mieloma múltiplo

Morador do ABC espera quatro meses por remédio contra o câncer


Considerada doença sem cura, o mieloma múltiplo é um tipo de câncer que ocorre pela proliferação maligna de células plasmáticas (um dos componentes do sangue) dentro da medula óssea. A IMF (Fundação Internacional do Mieloma, em inglês) estima que surgem cerca 20 mil novos casos dessa enefermidade no mundo todos os anos.  “São duas cacetadas que você toma, primeiro por descobrir que está com câncer, depois quando sabe que ele não tem cura”, destaca o advogado e morador de São Bernardo,  Rogério de Souza Oliveira, 43 anos, que sofre com a doença desde 2010.
Não bastasse a descoberta da doença, atualmente os pacientes, no Brasil, vêm sofrendo para poder ter acesso a um dos principais medicamentos do tratamento da doença, a lenalidomida.
A droga teve seu pedido de registro feito pela Zodiac Produtos Farmacêuticos S/A em 2008, mas após algumas recusas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indeferiu o pedido, mais uma vez em dezembro do ano passado, ou seja, não permite sua produção e comercialização no país, com isso, a única alternativa é a importação.
“Há estudos que comprovam que o remédio é eficaz, dá menos efeitos colaterais do que a talidomida. Ela é usada em larga escala na Europa e nos Estados Unidos”, afirmou Rogério. A lenalidomida é um derivado da talidomida considerada superior por causar menos efeitos colaterais. A talidomida, no entanto, é conhecida por estar relacionada à má formação em fetos. A justificativa da Anvisa é que os estudos apresentados pela empresa não foram suficientes. Alguns estudos, no entanto, consideram a lenalidomida até 50 mil vezes mais potente que a talidomida. Outros, porém, afirmam que o mecanismo de reação à substância não se encontra, ainda, totalmente esclarecido. “Estava sem medicação desde dezembro. Você fica nessa angustia. Será que os cerca de 80 países que permitem a medicação estão errados e só o Brasil está certo?”, comentou o paciente.
Preço é entrave
Outro entrave é o preço da lenalidomida: R$20 mil por caixa, que vem com 21 comprimidos, sendo de uso continuo. “Fiz todo o tratamento, quimioterapia, radioterapia, transplante e consegui reduzir bastante o nível da doença. Porém, para que possa manter esses níveis, preciso do remédio”, completou. Para poder continuar o tratamento, Oliveira entrou com processo na Justiça para fazer com que a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo fizesse a importação e fornecesse o medicamento para seu uso. Segundo o advogado, essa tem sido a única forma com que os pacientes conseguem o remédio. “Entrei com o processo já faz mais de quatro meses, e só recebi agora”, reclama. Segundo o paciente, se tivesse o dinheiro para fazer o pedido de importação por conta própria, o remédio seria entregue em 15 dias úteis. Com a demora, o morador do ABC pediu através da Justiça que o Estado repassasse o valor para pudesse fazer o pedido, mas só esta semana o advogado foi informado que o remédio já podia ser retirado.
Grupo apoia
O brasileiro com mieloma múltiplo vive a angustia de esperar que as decisões judiciais que obriga o Estado a importar e fornecer a lenalidomida sejam cumpridas ou que a empresa Zodiac, que busca liberação para produzir a medicação no país recorra da decisão da Anvisa, que proíbe a fabricação.
Para apoiar o paciente, familiares e profissionais da saúde nessa luta,  Oliveira, que sofre com a doença desde 2010, um dos principais ativistas do mieloma em São Paulo, deu início ao primeiro grupo de apoio do ABC. “Todo esses estresse prejudica demais o paciente. Como você vai ficar tranquilo com uma bomba relógio dentro de você?”, questionou Rogério lembrando que o tratamento do melioma é apenas paliativo.
O advogado pretende realizar as reuniões uma vez por mês. A primeira iria ocorrer ontem (15) na avenida João Firmino, 549, bairro Assunção em São Bernardo, a partir das 15h. “Aqui em São Paulo não tinha nenhum grupo assim. Peguei a ideia de um grupo de Belo Horizonte, chamado ‘Café e Acolhimento’, e fiz um aqui”, contou. Além de reunir pacientes e familiares, Oliveira espera ampliar seu trabalho de conscientização, pois a divulgação do mieloma ainda é pequena no Brasil, mesmo representando cerca de 10% dos casos de câncer hematológico (do sangue).


Diadema, S.André e Rio Grande oferecem exame para detecção do mieloma múltiplo


O diagnóstico tardio do mieloma múltiplo é um dos entraves para o tratamento da doença. O diagnóstico pode ser feito de maneira simples e rápida com o exame de sangue chamado “Eletroforese de proteínas séricas”. No entanto, muitos médicos ainda demoram a fazer o diagnóstico.
Rogério de Souza Oliveira, morador de São Bernardo que sofre com a doença desde 2010, acredita que além da falta de preparo dos profissionais da saúde, outro empecilho é o fato de a doença estar associado aos idosos. “Os idosos são negligenciados neste país, por isso o descaso do governo com a doença”, ponderou.
A afirmação é corroborada por Jandey da Glória Bigonha, professora de Oncologia e Hematologia da Faculdade de Medicina do ABC. “É uma doença de causa desconhecida, que predomina em indivíduos acima dos 60 anos de idade, raramente abaixo dos 30 anos”. Mesmo assim, Oliveira destaca que tem descoberto casos de pessoas jovens com mieloma. “Fiquei sabendo que foi detectado em um paciente em Pernambuco com 9 anos de idade”, alertou.
Alguns dos sintomas do melioma são cansaço persistente devido à anemia ou redução da função renal, dor nas costas, dor súbita devido à fratura em ossos da coluna, quadril ou outro lugar, infecções recorrentes sem explicação. Outros sinais importantes podem ser dor com movimentos, dor devido enrijecimento ou inchado de áreas ósseas, falta de ar e evidência de insuficiência renal.
Rogério mantém um blog (mielomamultiploabc.blogspot.com.br) onde publica informações sobre a doença, novidades sobre a importação dos medicamentos e depoimentos de pacientes. “Alguns depoimentos são muito tristes. Porém, essa luta não é só minha é de todos os pacientes”, afirma, ao ressaltar que recebe mensagens de pessoas de todo o Brasil pedindo auxílio.
Região
Questionadas se oferecem tratamento aos pacientes de mieloma, apenas as prefeituras de Mauá, Diadema, Rio Grande da Serra, Santo André e São bernardo responderam. Todas alegaram que os pacientes diagnosticados com a doença são encaminhados para a rede estadual de saúde. As principais referências regionais são o Hospital Estadual Mario Covas, em Santo André, e o Hospital de Ensino Padre Anchieta, em São Bernardo. Somente Diadema, Rio Grande e Santo André afirmaram disponibilizar o exame Eletroforese de proteínas séricas pela rede municipal de saúde.